30 de mai. de 2012

A Via Láctea e o Videolog

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Noise Galaxy

Ontem a noite, a emoção do Wagner Moura ao cantar “A via láctea” no tributo a Legião Urbana, e a alma exposta em um videolog por alguém que conheço pessoalmente, mesmo que pouco, mexeram comigo. Fiquei pensando na poesia presente nas letras do Renato Russo, tão antigas e tão atuais. Em como os seus significados foram mudando para mim ao longo dos anos. No eco daquele vídeo em mim. No que a voz, embargada pelas dores próprias e de outros, revelava daquela pessoa. E nas nuances entre empatia e identificação, entre respeito e compreensão.

Na letra “A via láctea”, escrita no estágio final de sua doença, Renato Russo escreve sobre estar triste, sozinho, perdido e doente. Sendo humana, ao ouvir a música, consigo entender a tristeza, a solidão, o estar perdida e/ou doente. E, consigo até mesmo vislumbrar o que é sofrer com AIDS, porque tive um tio avô que acompanhei definhar e morrer desta. Mas, felizmente, não sei o que é SER um doente terminal. A dor que entendo e até sinto é a minha, não a dele. Nesse caso, só posso seguir o conselho da própria música: obrigado por pensar em mim, mas não diga nada, só me deixe aqui quieto. Frente ao desconhecido, só me resta o silêncio.

Na empatia nos identificamos com a humanidade que nos é comum. Percebemos o outro como um ser humano, pleno e falho, paradoxal e complexo, assim como somos e por isso, conseguimos nos imaginar em seus sapatos apertados, gastos, novos; ou em seus pés descalços. A empatia é entrega e acolhimento. É o início do diálogo e da quebra de preconceitos. Dela parte o respeito e a aceitação apesar do não entendimento.

A experiência, no entanto, eleva a empatia a outro nível: o da identificação. Se na empatia, me coloco em seu lugar, imagino e respeito; na identificação, também vivo o que você está passando ou sentindo e, por isso, te compreendo. Na identificação minha experiência não será exatamente igual a sua, mas os traços de semelhança permitem que eu possa trocar com você: informações, histórias, percepções, alternativas, cicatrizes, dores e alegrias. A identificação exige coragem de quem se expõe e produz cura para ambos lados. Quando expomos nossa humanidade e nossas dores, e encontramos eco nas almas alheias, não estamos mais sozinhos.

Aquele vídeo era uma resposta ao apelo de pessoas que desejam ser compreendidas e que não querem estar sozinhas em suas dores. Não porque ele falava de um assunto comum, mas porque ele mostrava uma alma que sabia do que estava falando, porque mesmo que não falasse claramente de suas próprias cicatrizes, não tinha como evitar expô-las. Porque era fruto da identificação e não da empatia. Porque só fala com propriedade e profundidade de alma sobre qualquer coisa quem a vivenciou. Ao mesmo tempo, o vídeo era um apelo pela empatia do outro, que nunca irá compreender aquela dor porque não a vivência da mesma maneira, mas que pode amar, respeitar, aceitar.

Saber a diferença entre empatia e identificação é essencial para evitar desilusões no relacionamento com o outro, qualquer que seja ele. Esperar identificação de quem só pode te dar empatia, ou compreensão de quem só pode te dar aceitação ou respeito, é como querer cisnes de um ovo de galinha. É focar em sua própria dor e não na cura. Além disso, a incompreensão é uma via de mão dupla. Ao sermos incompreendidos nós também não estamos compreendendo o outro. Quando não há identificação, é a empatia que se torna o caminho para a convivência.

Mesmo assim não há garantias de sairmos ilesos. Podemos não receber compreensão ou respeito mesmo distribuindo-os aos outros. Como diria Madre Teresa de Calcutá: faça assim mesmo! As cicatrizes continuarão acontecendo porque as dores fazem parte da vida. Portanto, sejamos também nós os poetas e os corajosos, expondo nossa alma em biografias, músicas, textos, vídeos, ou mesas de bar. Sempre haverá alguém que nos retribuirá com empatia, ou se tivermos ainda mais sorte, identificação.

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