31 de mar. de 2012

Preconceito

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Ontem, voltei para casa ouvindo o último cd da Ana Carolina. Como gosto das letras dela (ou das músicas escolhidas por ela para interpretar) sempre presto atenção ao que escuto. Já ao final do cd e do caminho, me surpreendi com a música “Força Estranha”. Hoje, no caminho para o trabalho, ao ouvi-la novamente, fiquei pensando sobre como esse era um exemplo simples sobre a privação que o preconceito nos causa.

Sempre achei legal não gostar de Roberto Carlos e declará-lo brega. Não sei porque, já que na verdade nunca parei para realmente ouvi-lo, e checar se, apesar de não ser um super intérprete (para meu gosto musical) ele não era um excelente compositor, como é o caso, na minha opinião, de Chico Buarque. Ou um excelente escolhedor de pérolas musicais, como Maria Betânia. Enfim, nunca passou pela cabeça pedir um cd de maiores sucessos emprestado para minha tia (que como zilhões de brasileiros adoram o rei) e ouvir o que havia por trás da “força que o leva a cantar”... até ouvir essa força estranha no vozerão da Ana Carolina que eu adoro como compositora e intérprete. Há anos que me privo de incluir no meu repertório musical uma letra maravilhosa, que só hoje descobri que é do Caetano Veloso, simplesmente porque sim.

Quando eu era pequena minha mãe respondia que porque sim, não é resposta. Mas quando observo o comportamento da espécime humana, parece que não é bem assim que as coisas funcionam. O preconceito é muitas vezes fruto do “porque sim” e não de uma escolha baseada na experiência. Como você pode declarar que Roberto Carlos é brega se tudo o que você ouviu dele na vida foram 2 ou 3 músicas inteiras e a repetição de alguns refrãos em comerciais de final de ano da Rede Globo? Como você pode fazer cara de nojo para jiló se nunca experimentou?

O mais triste é saber, ter experimentado na pele e dentro de mim mesma, que esses pequenos preconceitos só revelam que usamos os mesmos mecanismos para os grandes preconceitos. E ao fazermos isso, deixamos de descobrir talvez nossa alma gêmea, melhores amigos, pontos de vistas complementares, formas novas de olhar o mundo... nos privamos de experiências e coisas boas, porque sim. Porque em algum momento, um número x de pessoas fazia assim, baseadas talvez no comportamento de outras tantas que algum dia se basearam na escolha e “talvez” na experiência de uma que ninguém sabe quem é, ou o que falou, e sentiu realmente. E é assim que Jesus, de quem nunca foi registrada uma palavra de intolerância, se tornou, e se torna, a razão de caça as bruxas.

E, é claro que não ter preconceito não significa que você deva sair provando de tudo na sua vida ou ignorando estudos científicos que demonstram que o abuso de cocaína é prejudicial para a sua saúde! Apenas significa não torcer o nariz para quem pensa ou faz diferente de você, para o prato de quiabo sem ter experimentado ele, ou para a nova dupla sertaneja do momento. É simplesmente agir com a consciência de que ninguém, inclusive você que se acha tão liberal ou parte da minoria, está imune aos preconceitos. E é por isso que eu, que tenho amigos e amigas bruxos, homens, amarelos, héteros, negros, pagodeiros e bipolares; demorei 31 anos para descobrir, entre outras coisas, que “Força estranha” é uma música maravilhosa.

Como disse Eliane Brum, em um texto recente seu, “a melhor forma de tornar nossas escolhas, mais nossas é também a mais difícil: duvidar o tempo todo das nossas certezas”. Para sermos mais inteiros, menos preconceituosos e mais felizes e preciso aceitar a incerteza, a falta de controle, a possibilidade de que não somos perfeitos, de não estarmos sempre certos e de ter preconceitos. Reconhecer nossa humanidade é o primeiro passo para reconhecer a humanidade do outro e permitir o diálogo não importa de que “lado” você esteja. Reconhecer o próprio preconceito, é o primeiro passo para não sucumbir a ele, e para criar uma realidade em que tudo é possível, inclusive discordar.

29 de mar. de 2012

A vida é tão rara...

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Gosto desta música do Lenine (Paciência). Ela mexe comigo e me lembra, de dentro para fora, que a vida é rara, mesmo que meu hábito me leve a quase sempre errar os primeiro versos: a vida não para!

Sim, a vida não para e é justamente por isso que ela é tão rara. Não porque tenhamos tantos "compromissos" que não sobre tempo para o que é realmente essencial, o que vale a nossa alma, mas justamente porque a vida passa. E tudo o que é breve, tudo o que é único, tudo que tem o potencial de ser inesquecível, é raro.

Raros são os momentos de estar com quem amamos, de experimentar e descobrir novas coisas, de visitar lugares que nos fazem bem, de trabalharmos em projetos e partilharmos conhecimentos que nos enchem o coração de paixão, de criar coisas boas e contribuir para um agora melhor... são raros não por serem poucos, mas inesquecíveis. Raros por serem estes os momentos em que passamos do estar para o ser; em que exercemos nossa semelhança divina, em que nos apropriamos da vida.

Paciência, diz a música, como diria nossos avós... Paciência, fazer o que?! Fazer o que se trocamos a raridade da vida pelo peso da existência. Se preferimos correr atrás do que caminhar junto. Se o tempo perdeu o sentido porque nos esquecemos do que vale a pena. Se trocamos nossa alma divina pelo nosso barro humano. Fazer o que! Paciência!

Paciência 
Lenine


Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para...


Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...


Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...


O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...


Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...


Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não...
Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...


Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para...
A vida não para...  

27 de mar. de 2012

Mudanças

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E então... eu mudei!

Mudei de país, voltei pro Brasil, mudei de casa, mudei de empregos, mudei pensamentos e atitudes, mudei de vida, mudei caminhos, mudei decisões, mudei esse blog (mais uma vez) e continuo mudando.

Mudei e não foi a primeira vez, nem será a última. Mesmo na morte há a mudança. O corpo se decompõe, o espírito toma seu novo caminho, e a vida de quem fica já não é a mesma, mas continua.

Acho engraçado como sendo a mudança tão natural, sejamos tão resistentes a ela. Cada nova mudança é um parto. E me lembro do livro do rabino Nilton Bonder: "A alma imoral" onde ele comenta sobre a transgressão da alma, e a compara com a passagem por um buraco estreito. Assim é a minha vida, cada mudança e incerteza me leva quase a loucura. Sinto medo, sinto dor, sinto vontade de ficar parada e fico, choro, bato o pé, me agarro a rótulos e falsas seguranças, e perturbo quem está mais próximo com questionamentos infindáveis. O resultado é sempre semelhante, faço o que é possível e me rendo, exausta! E puff! As coisas começam a caminhar e as mudanças acontecem, os projetos fluem, as alegrias reaparecem e a vida? Continua.

Queria aprender a não sofrer tanto com as mudanças, com os vales e picos, com as curvas e tropeços. Queria aprender a fluir como um rio que não se opõe ao caminho, mas se torna um com ele, e segue seu fluxo saltitante e leve. Queria perceber mais rápido e com menos dor, que com as mudanças externas acontecem também as internas e embora caia em padrões aprendidos e comportamentos viciados, eu nunca sou a mesma. E isso é bom!

Como diria o filosofo, ninguém pisa no mesmo rio duas vezes, já que nem o rio, nem a pessoa são as mesmas. Resistir a mudança, na verdade, é uma tentativa inútil de ter controle, e de ignorar  o fato óbvio e incontrolável de que a vida é mudança. E de que mesmo quem fica parado não está imune ao ir e vir da vida, que continua.

Feliz daquele que aprendeu a aproveitar a viagem, viver o processo, redescobrir cada coisa como nova em si e ao seu redor... feliz o que aprendeu a ser o viajante de Saramago que sabe que sem a mudança, não há a magia da descoberta constante de si mesmo, do outro, dos lugares, das coisas, da vida!